BRASÍLIA (Reuters) – A medida provisória editada pelo governo para restringir o uso de créditos tributários por empresas deve enfrentar uma batalha no Congresso e na Justiça, com setores afetados já se movimentando para barrar a iniciativa e tributaristas mapeando pontos que podem ser alvo de questionamento nos tribunais.
Após o anúncio da medida, na terça-feira, em entrevista à imprensa na qual autoridades do Ministério da Fazenda se recusaram a detalhar quem passará a pagar mais tributos com a mudança na legislação, análises de instituições financeiras, tributaristas e representantes de setores mostram que os maiores impactados são as cadeias produtivas do agronegócio, combustíveis e medicamentos.
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Em vigor desde já para compensar a manutenção da desoneração da folha salarial de setores da economia e de municípios, a MP impede que créditos tributários de Pis/Cofins sejam usados para abater outros tributos, barrando também que empresas com direito a crédito presumido desse tributo sejam ressarcidas em dinheiro caso não consigam fazer a compensação.
O ganho estimado pela Fazenda com a limitação dos benefícios é de 29,2 bilhões de reais nos sete meses de vigência em 2024 –a pasta não apresentou a projeção de ganho para 2025, embora a medida seja permanente.
A medida mais que compensa a perda de receita de cerca de 26 bilhões de reais com a desoneração da folha, e é crucial para que o governo cumpra a meta de déficit fiscal zero neste ano.
O advogado Adriano Moura, sócio da área de direito tributário do escritório Mattos Filho, avaliou que os benefícios que estão sendo limitados são legítimos, previstos em lei e cumpriam funções que fazem sentido, como fomentar o cultivo de produtos estratégicos, reduzir preços de alimentos, estimular vendas de pequenos produtores e viabilizar exportações.
Entre os itens atingidos por um dos eixos da MP estão carnes, frutas, legumes, cereais, café, leite, óleo de soja, margarina, medicamentos diversos, nafta petroquímica e biodiesel, que tinham direito ao benefício do ressarcimento em modalidades variadas, incluindo fabricação, importação e exportação.
“Talvez o governo não tenha colocado de forma clara (quem será atingido) porque isso poderia ter efeito de rejeição à medida. Imagina você dizer, por exemplo, que quer limitar o crédito a um pequeno produtor”, disse o advogado à Reuters.
Moura afirmou que a medida vai dificultar o escoamento desses créditos pelas empresas, que terão uma elevação de custo com o pagamento maior de tributos, podendo repassar o impacto para o preço final ao consumidor.
Ele prevê que o tema será judicializado, citando conflitos em relação a leis que não foram revogadas pela MP, questionamentos de empresas que fizeram investimentos como contrapartida do benefício ou mesmo atritos com a Constituição.
“O exportador, por exemplo, tem o argumento de que a Constituição prevê desoneração tributária das exportações. Se você dificulta essa desoneração, ainda que indiretamente, você pode estar violando a Constituição”, afirmou.
SETORES
Menos de 24 horas após o anúncio da medida, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), informou já ter feito contato com a Frente Parlamentar da Agropecuária da Câmara para mobilizar deputados para barrar a iniciativa.
Em nota, o Cecafé afirmou que o conteúdo da MP fere a Constituição, impacta o caixa das empresas e reduz a competitividade do Brasil, argumentando que “não estamos diante de privilégios a serem cassados”.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC) trataram a medida como “equivocada e desproporcional”.
“As empresas perderão competitividade e sustentabilidade para manutenção dos empregos, além do desestímulo para investimento e criação de novos postos de trabalho. Há ainda o fator inflacionário que o aumento de custo de produção trará”, disseram as associações em nota.
Para o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a MP amplia custos das empresas e fere o princípio da não cumulatividade tributária, além de violar a segurança jurídica no país.
Análise publicada nesta quarta-feira pelo Bradesco BBI apontou que empresas dos setores de alimentos, distribuição de combustíveis, agricultura e farmacêutico devem ser as mais afetadas pela MP, com as exportadoras de café, laranja, suíno, frango e carne provavelmente sendo as mais impactadas.
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“É possível que haja alterações na legislação durante as discussões no Congresso, devido ao forte lobby agrícola, que conta com o maior número de parlamentares e senadores dispostos a apoiar causas favoráveis”, afirmaram os analistas Thiago Pereira e Francisco Navarrete em relatório enviado a clientes.
Relatório do BTG Pactual também citou exportadores como grandes impactados por dependerem fortemente do mecanismo da compensação cruzada de tributos. O banco destacou produtores de carne, como a Minerva, que tem 65% das receitas provenientes de exportações, enquanto na BRF o patamar é de 45%.
Em outro relatório, analistas do UBS BB afirmaram que a utilização de créditos deve ser muito mais lenta do que previsto, o que significa um valor presente mais baixo dos créditos das empresas. Eles citaram a Raízen, com 8,3 bilhões de reais em créditos fiscais de PIS/Cofins.
Procurado, o Ministério da Fazenda não respondeu imediatamente a pedido de comentários. A Raízen disse que não iria comentar o tema. Minerva e BRF não se manifestaram imediatamente.