A arrancada do dólar nos últimos dias levou a taxa de câmbio para perto de R$ 5,35 no fechamento de sexta-feira (7), no maior nível desde o começo de janeiro de 2023. Após ter recuado 8,08% no ano passado, a moeda americana já acumula valorização de mais de 9% em 2024 e, segundo analistas, não há perspectiva de uma recuperação consistente do real no curto prazo.
O tombo da moeda brasileira é explicado por pelo menos três pontos. Em primeiro lugar, há um pano de fundo de dólar forte no mundo, em razão da expectativa de queda modesta da taxa de juros nos Estados Unidos neste ano e do aumento das tensões geopolíticas, com guerras na Europa e no Oriente Médio.
Além disso, nos últimos dias houve um movimento agudo de liquidação de apostas em divisas emergentes, após resultados de eleições no México, na Índia e na África do Sul. O peso mexicano exibia, até a semana passada, ganhos em relação ao dólar em 2024, mas entrou em queda livre após a candidata governista Claudia Sheinbaum não apenas levar o pleito como conquistar ampla maioria no Congresso, avivando temores de mudanças na política econômica e na Constituição.
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O economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, ressalta que o real e o peso mexicano eram as grandes apostas dos investidores no fim do ano passado, diante da expectativa, à época, de corte de juros nos EUA ainda no primeiro semestre.
“O real sofreu antes porque houve decepção com a agenda doméstica, principalmente com o fiscal. Agora, o peso mexicano passar por uma reavaliação. Com isso, o apelo das divisas emergentes caiu muito”, diz Oliveira. “No ano que vem, o real pode se apreciar com uma sequência de cortes de juros nos EUA. Um ou dois cortes não bastam. Até lá, não vejo muito refresco.”
Ao ambiente externo desafiador soma-se o aumento da percepção de risco doméstico, com o crescente ceticismo em torno do cumprimento das metas fiscais. Cresceu também a desconfiança em relação à política monetária a partir de 2025 com a troca de comando no Banco Central na virada do ano, sobretudo após diretores do BC indicados pelo governo Lula votarem por corte maior da taxa Selic em maio.
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“O real teve desempenho inferior ao de outras moedas emergentes nos últimos meses. Precisamos de um fator interno, algo positivo relacionado à política fiscal ou à sucessão no Banco Central para o real se recuperar. Mas isso parece muito difícil”, afirma o head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt.
Investidores vão olhar com lupa a decisão do Comitê de Política Monetária no próximo dia 19. Com a piora das expectativas de inflação, vê-se pouco espaço para corte adicional da taxa Selic, hoje em 10,50%. Nova divisão dentro do Copom pode aumentar ainda mais os receios de um BC leniente com a inflação no futuro.
“A troca de comando no BC na virada do ano traz muita insegurança, com preocupação de atuação mais ‘dove’ a partir de janeiro de 2025, o que pressiona o real”, afirma o sócio e diretor de gestão da Azimut Brasil Wealth Management, Leonardo Monoli.
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Além do arranhão à credibilidade da política monetária, analistas apontam outro fato relevante local para o declínio do real: a mudança, em meados de abril, da meta fiscal de 2025 de superávit de 0,5% do PIB em 2025 para zero, vista como afrouxamento prematuro do arcabouço fiscal.
Parece haver também uma exaustão da capacidade do Ministério da Fazenda de emplacar iniciativas para aumento de arrecadação, como mostra a oposição de setores econômicos e bancadas no Congresso à Medida Provisória de limitação de créditos de PIS/Cofins – saída encontrada pelo governo para compensar perdas com a redução gradual da desoneração da folha de pagamentos.
As pressões sobre o real poderiam ser mitigadas caso houvesse a perspectiva de entrada mais forte de recursos daqui para frente. Em 2024 até maio, o fluxo cambial total é positivo em US$ 6,120 bilhões, praticamente a metade do visto em igual período do ano passado. Neste ano, houve entrada de US$ 33,725 bilhões via comércio exterior. Já pela conta financeira saíram US$ 27,605 bilhões.
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O CIO e sócio-fundador da Armor Capital, Alfredo Menezes, já trabalhava com taxa de câmbio nos níveis de R$ 5,30 ou R$ 5,40 no fim do ano antes mesmo da arrancada recente do dólar.
Menezes observa que há uma piora dos termos de troca. Ele ressalta que o preço da soja, principal item de exportação do Brasil, está 20% abaixo da média do ano passado. Do lado financeiro, houve aumento expressivo da importação de criptomoedas, de média mensal de US$ 600 milhões em 2022 para algo próximo a US$ 2 bilhões neste ano. “Além dos termos de troca, temos uma deterioração fiscal que afeta, sim, a moeda”, afirma.
Ele lembra que o primeiro trimestre é geralmente o “melhor momento” para fluxo para o Brasil, quando há aporte de investidores estrangeiros e embarque da safra de grãos. Já o último trimestre tende a ser apertado, com redução das exportações e remessas de juros e dividendos.
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O economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani, observa que, mesmo a perspectiva de que a Selic permaneça em dois dígitos (mantendo bom diferencial entre juros interno e externo), não há grande suporte ao real, uma vez que há um aumento da percepção de risco global e, em especial, doméstico com as questões fiscais. Padovani previa dólar em R$ 5,30 no fim do ano antes mesmo da derrocada do real nos últimos dias.
“Os juros nos Estados Unidos não vão recuar muito, o risco local está subindo e os preços das commodities continuam em queda. Esses três fatores sugerem pressão sobre o real”, diz Padovani.
O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, segue a mesma linha e diz que, apesar das taxas reais de juros altas, não há apetite por operações de carry trade ou pela renda fixa local, como mostra o resultado do fluxo financeiro.
“Existe uma redução da institucionalidade fiscal. Custou-se aprovar o arcabouço após o fim do teto de gastos e o governo já alterou a meta para os próximos anos. O fluxo financeiro é negativo e vai continuar no resto do ano. Não existe carry trade suficiente para segurar o real”, afirma Sanchez, cuja previsão também já era de dólar em R$ 5,30 no fim do ano.