O plenário do Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (5), em votação simbólica, o projeto de lei que institui o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover). A matéria é considerada estratégica para a chamada “neoindustrialização”, pauta defendida pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O texto repete pontos de medida provisória (MPV 1205/2023) que perdeu validade no fim de maio e prevê incentivos financeiros de R$ 19,3 bilhões em 5 anos e redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para estimular a pesquisa e o desenvolvimento de soluções tecnológicas e a produção de veículos com menor emissão de gases do efeito estufa.
Os estímulos têm sido apontados pelo setor automotivo como um dos motivos para os anúncios de investimentos feitos pela indústria, na casa de R$ 130 bilhões para os próximos anos.
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Apesar da importância do tema para o Poder Executivo, o debate sobre um “jabuti” na matéria roubou as atenções do mundo político. Isso porque, durante a tramitação do texto na Câmara dos Deputados, foi incluído dispositivo que institui cobrança de 20% de Imposto de Importação sobre compras internacionais de pessoas físicas abaixo de US$ 50,00 (que hoje são isentas).
O instrumento atende parcialmente a uma pressão feita pelo setor produtivo nacional, que alega perda de competitividade em razão de uma alegada “concorrência desleal” de gigantes do e-commerce internacional (como Shein, AliExpress e Shopee), que se beneficiam da isenção, mas não equipara a alíquota ao percentual pago em outras situações de importação (de 60%).
O trecho foi construído após um “acordo de meio termo” entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e Lula, que tem se preocupado com os impactos da tributação sobre sua popularidade e sobre as relações com a China. Mas no Senado Federal, o relator da matéria, Rodrigo Cunha (Podemos-AL), decidiu retirar a norma de seu parecer, em movimento que gerou uma nova crise política.
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Apesar disso, o dispositivo pode retornar à versão final da matéria por decisão dos próprios senadores durante a votação dos destaques de bancada ao parecer em análise. Neste caso, um caminho poderia ser a votação em separado de emenda apresentada pelo senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR). O dispositivo ironicamente pretendia garantir a retirada da taxação do projeto de lei, mas se for levado a deliberação e rejeitado, pode viabilizar a volta da cobrança no texto final.
Caso a última versão votada pelo Senado Federal apresente diferenças de mérito em relação ao texto que veio da Câmara dos Deputados, o projeto de lei precisará retornar à casa de origem para uma nova deliberação. Somente se for aprovado mais uma vez, ele poderá seguir à sanção presidencial. Vale lembrar que, no acordo construído com Lira, Lula se comprometeu a não vetar o trecho que elevaria a cobrança sobre as importações.
Além da chamada “taxação das blusinhas”, os senadores também precisam analisar outros “jabutis” incluídos pelos deputados no texto, como um trecho que exige uso de conteúdo local na exploração e no escoamento de petróleo e gás e outro que gera incentivo tributário à produção nacional de bicicletas. Ambos haviam sido retirados do parecer levado a plenário pelo relator da matéria no Senado Federal.
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O que está em jogo?
O projeto de lei do Mover tem como objetivo central “apoiar o desenvolvimento tecnológico, a competitividade global, a integração nas cadeias globais de valor, a descarbonização, o alinhamento a uma economia de baixo carbono no ecossistema produtivo e inovativo” da produção de veículos leves e pesados e de autopeças.
Pelo texto, para que possam ter acesso aos incentivos previstos, as empresas devem ter projetos aprovados pelo ministério e aplicar percentuais mínimos da receita bruta com bens e serviços automotivos na pesquisa e no desenvolvimento de soluções alinhadas à descarbonização e à incorporação de tecnologias assistivas nos veículos.
Também serão admitidos projetos para novos produtos ou modelos de veículos; para serviços de pesquisa e inovação ou engenharia automotiva; para a instalação de unidades de reciclagem ou economia circular na cadeia automotiva; realocação de unidades industriais e linhas de montagem e produção; e instalação de postos de abastecimento de gás veicular.
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Os créditos do Mover serão equivalentes a 50% do investimento realizado em pesquisa e desenvolvimento, mas limitado a 5% da receita bruta total de venda de bens e serviços do segundo mês anterior àquele em que for calculado.
Por outro lado, o cálculo poderá ser realizado e ajustado em períodos sucessivos, compensando-se investimentos menores em um mês com maiores em outros e vice-versa. Essa compensação valerá inclusive dentro de um período de três anos. Assim, investimentos menores em um determinado ano poderão ser compensados por excessos de investimentos nos dois anos anteriores.
Uma vez concedido, ele será considerado como crédito da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e poderá ser usado para compensar tributos a pagar perante a Receita Federal ou para pedir ressarcimento em dinheiro a ser efetivado quatro anos depois do pedido.
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Segundo a Portaria nº 43/24, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), até 60% dos limites globais de créditos possíveis de conceder a cada ano serão liberados para projetos de pesquisa e desenvolvimento sem a vinculação a uma outra unidade produtiva e maquinário (ativo fixo).
Os projetos de investimento em ativos fixos para a produção de novos modelos e produtos automotivos, com pesquisa e desenvolvimento, inclusive engenharia automotiva, terão acesso a 30% dos recursos disponíveis.
Já a relocalização de unidades industriais e linhas de produção, incluindo equipamentos para pesquisa e desenvolvimento, poderá contar com 10% dos recursos anuais de créditos a conceder. Esse seria o caso de fábricas que desejam vir para o Brasil produzir veículos elétricos, por exemplo.
Esses percentuais poderão ser alterados pelo ministério em razão de desequilíbrio nas autorizações aprovadas.
Desde que limitados ao valor global de cada ano, poderão ser concedidos três outros tipos de acréscimo aos créditos financeiros para as empresas com projetos aprovados.
No primeiro deles, direcionado a empresas já atuantes no Brasil, será permitido o acréscimo de 20 pontos percentuais no cálculo (chegando, portanto, a 70% do investido), mas limitado a 7% da receita bruta total de venda.
Isso valerá, por exemplo, em projetos de infraestrutura de engenharia ou na diversificação de mercados para produtos já produzidos no País, com integração às cadeias globais de valor.
Quanto à produção de tecnologias de propulsão elétrica, híbrida ou a hidrogênio e dos veículos que as usem, assim como para sistemas eletrônicos embarcados, esse primeiro tipo de crédito adicional será equivalente a 13% ou 16% da receita, conforme o caso.
Em relação a projetos para novos produtos automobilísticos e novos modelos de veículos, um segundo tipo de acréscimo permite um crédito adicional igual a 12,5% dos investimentos em ativos fixos e pesquisa e desenvolvimento quando for para a produção de veículos; e de 25% dos investimentos no caso da produção de autopeças e sistemas e soluções estratégicas, notadamente ligadas a veículos movidos a eletricidade ou hidrogênio e sua tecnologia de carregamento.
O terceiro tipo de acréscimo permitido será para a vinda de fábricas e montadoras ao Brasil. Nessa hipótese, entram no cálculo para encontrar os créditos financeiros a conceder o total pago de Imposto de Importação sobre os bens da fábrica ou linha de montagem e o IRPJ e a CSLL incidentes sobre o lucro obtido com os veículos e peças exportados por essas unidades de produção.
Por meio de decreto publicado em abril, o Poder Executivo diminuiu em 3 pontos percentuais o IPI para veículos de passeio híbridos com motor a combustão movido a etanol ou gasolina/etanol (flex).
A redução valerá até 31 de dezembro de 2026 e, somada à volta do Imposto de Importação sobre veículos híbridos e elétricos, torna mais caros os elétricos em relação aos híbridos com opção de etanol, inclusive se fabricados no Brasil.
Os veículos híbridos são definidos na portaria do Mdics como aqueles com motor elétrico e motor a combustão, seja o motor elétrico abastecido por baterias recarregáveis externamente ou apenas por meio do aproveitamento da energia de frenagem ou de parte daquela gerada pela combustão.
Com esse desconto, as alíquotas para os híbridos variam de 3,77% a 12,05% de IPI, segundo a massa (inclui opcionais, acessórios e combustível) do veículo em marcha e a eficiência energética (quanta energia é necessária para movê-lo um quilômetro). Já os exclusivamente elétricos terão alíquotas de 5,27% a 13,55%.
Conforme avançar o alcance de metas relativas à descarbonização, o IPI poderá variar também em função de critérios que indiquem externalidades positivas ou negativas dos veículos.
Assim, para veículos da mesma categoria que atendam e não atendam aos requisitos, o IPI poderá variar da seguinte forma:
- 2 pontos percentuais em relação ao requisito de eficiência energética, considerado como parâmetro o ciclo do tanque à roda;
- 1 ponto percentual em relação ao requisito de desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção; e
- 2 pontos percentuais em relação ao requisito de reciclabilidade, a partir de 1º de janeiro de 2025.
Também poderão ser considerados outros critérios, como o tipo de fonte de energia e tecnologia de propulsão; a potência do veículo; e a pegada de carbono do produto, do berço ao túmulo, a partir de 2027.
Essa diferenciação de alíquotas poderá ser progressiva ao longo do tempo.
(com Agência Câmara)