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Elite do futebol brasileiro tem recorde de receitas em 2023 – e também de gastos

Se alguém voltasse no tempo e contasse a um cartola dos anos 1990 o cenário do futebol brasileiro atual, provavelmente ouviria um “truco” e seria mandado de volta. Afinal, o que teria levado os clubes a arrecadarem bilhões e, ainda assim, estarem afogados em dívidas? Parte da resposta: eles também gastam em níveis inéditos.

Em 2023, a receita total bruta dos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro atingiram o recorde de R$ 8,83 bilhões, uma variação de 16,4% em relação a 2022, quando a linha marcou R$ 6,2 bilhões. O pico anterior foi em 2019: R$ 8,73 bilhões em valores ajustados à inflação. O aumento foi desproporcional em relação aos custos e despesas, que cresceram 33,5%, para R$ 7,04 bilhões. 

São achados registrados pelo Relatório Convocados, elaborado pela Consultoria Convocados em parceria com a Galapagos Capital e a Outfield.

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O aumento nas despesas para manter e melhorar a competitividade das equipes seria um caminho natural, caso o futebol brasileiro convivesse com dívidas saneadas. Não é o caso. Como diz o relatório, “mais dinheiro nas mãos significa sempre a oportunidade de aumentar a competitividade, em detrimento do pagamento de dívidas”. A dívida líquida da série A, em 2023, foi de R$ 11,73 bilhões.

“O futebol brasileiro precisa começar a tratar de suas dívidas. A grande diferença, quando olhamos o comportamento esportivo dos clubes que estão melhor e os que têm mais dificuldade, está no tratamento delas”, aponta Cesar Grafietti, sócio da Consultoria Convocados. “Elas estão travando a engrenagem de tal forma que em algum momento o clube não opera. Ele já não tem mais receita, porque ela foi toda antecipada. Aí não consegue pagar salário e encargos, que vão se tornar dívida e aumentar o bolo.”

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Há uma particularidade no relatório em comparação ao que comumente se vê nas análises financeiras de outros segmentos: os salários e encargos são incluídos nas dívidas operacionais, em função da dinâmica de pagamentos, que muitas vezes ultrapassam 90 dias. Normalmente, esses pagamentos se tornam uma renegociação, comprometendo a arrecadação presente com o alongamento de valores passados. Na composição bruta da dívida da Série A em 2023, impostos e acordos representaram R$ 4,72 bilhões do total e operacionais foram R$ 4,1 bilhões.

Um caminho no mercado financeiro

Dado o histórico de risco de crédito para clubes de futebol, as dívidas financeiras, como empréstimos bancários, ainda possuem a menor representatividade no total da dívida bruta: R$ 3,96 bilhões. Para os clubes mais estruturados, casos como os de Palmeiras e Flamengo, opções de passivo mais saudáveis já vêm se apresentando, com prazos mais longos e menor necessidade de garantias. 

São exceções frente a um mercado receoso com o legado de inadimplência dos clubes brasileiros. “Precisa limpar esse legado. Deveríamos olhar para disciplina financeira, equilíbrio entre arrecadação e gastos, transparência na gestão, incremento da cobrança corporativa dos clubes”, diz Andrea Di Sarno, sócio da Galapagos Capital.

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Na avaliação do executivo, poucas melhorias já seriam capazes de transformar o cenário e melhorar o acesso do futebol ao mercado. Os olhos da Faria Lima têm sido atraídos pelas oportunidades geradas no esporte, um mercado bilionário ainda pouco explorado além do crédito bancário – na maioria das vezes, de curto prazo e alto custo.

“As possibilidades óbvias são formas alternativas de financiamento, para os clubes não dependerem apenas dos bancos. O mercado de capitais teria capacidade de criar produtos de crédito estruturado, aumentar o prazo das dívidas e eventualmente baratear custos”, aponta Di Sarno. A própria Galapagos já possui dois fundos dedicados ao futebol.

As Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) ainda abrem a oportunidade para a entrada de Fundos de Investimento em Participações (FIPs), como ocorreu na investida da Treecorp no Coritiba. Eventualmente, com o amadurecimento do clube e do mercado, especialistas não descartam até mesmo a listagem de clubes em Bolsa.

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Bilheterias e sócio-torcedor

Não foi à toa que as receitas do futebol cresceram em 2023. Após a pandemia, torcedores têm ido cada vez mais ao estádio, seguindo uma tendência de gastos com entretenimento observada nos últimos anos. Em 2023, a média de público nos estádios chegou ao recorde de 26.538, segundo a CBF. Acompanharam essa tendência as receitas com programas de sócio-torcedor e bilheteria, que geraram uma receita média de R$ 1,51 bilhão para a Série A no último ano.

São receitas importantes em função de uma tendência global de redução nos valores de contratos por direito de transmissão – hoje tratados como a principal linha de recurso dos clubes -, mas que ainda podem ser aprimoradas. “Quando olhamos para uma média de ocupação de estádios que chega a 60%, estamos falando de 40% de inventário perecível, como verduras que estragaram no mercado. Deixamos na mesa 500 milhões em bilheteria”, diz Lucas de Paula, sócio fundador da consultoria Outfield.

Verba publicitária

Os criadores do relatório destacam ainda os ganhos potenciais na linha comercial, que inclui publicidade. A participação do futebol no bolo publicitário cresce consecutivamente desde 2019, e chegou a 2,62% no último ano. O número ainda é inferior ao de ligas européias, em que a representação da modalidade nos investimentos publicitários pode chegar, na Itália, a 6,5%.

Embora no Brasil a internet tenha mais força na disputa por verbas de marcas, o que aumenta a dificuldade de disputa do futebol por espaço publicitário, os números “dão uma sensação de que é possível dobrar a receita comercial”, avalia Grafietti, da Convocados.

Formação de atletas

O crescimento das receitas recorrentes dos clubes da Série A em 2023 foi inferior ao crescimento total de receitas (16,4% contra 22,2%). Basicamente, o dado de receitas recorrentes exclui a venda de jogadores da conta, por ser um incremento com valor e realização imprevisíveis. Essa diferença entre os resultados se explica, em boa medida, pelo perfil de clubes que subiram da segunda para a primeira divisão em 2023: Cruzeiro, Grêmio, Bahia e Vasco, clubes tradicionais e de maior visibilidade, conseguem vender jogadores por valores maiores.

Transações de atletas, no entanto, têm se tornado cada vez mais estratégicas para os clubes, que veem jovens promessas deixando o país por contratos de dezenas até centenas de milhões de reais. Para Grafietti, tornar a formação de atletas em uma unidade de negócios pode ser uma forma de tratar a venda como recorrência no planejamento financeiro.

É um movimento que passa pela mudança de mentalidade nos clubes, de “seletores” de talentos para, de fato, “formadores” – isso é, conseguir converter cada vez mais o número de jogadores com potencial de venda por meio de investimentos em metodologia e estrutura de treinamento. Soma-se a isso uma capacidade de scout (identificadores de atletas) que encontre tanto promessas de 10 a 11 anos até 16 a 17 que possam terminar sua formação no clube.

São Paulo, Palmeiras e Fluminense lideraram os investimentos em suas bases em 2023, por meio de aportes de R$ 34 milhões pelo primeiro e R$ 31 milhões pelos dois segundos. A representação dos investimentos nas categorias de formação no total investido, contudo, tiveram a menor expressão dos últimos cinco anos em 2022 e 2023, apenas 12%.

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