SÃO PAULO (Reuters) – O Ministério de Minas e Energia encaminhou na noite de quinta-feira à Casa Civil a minuta do decreto que define o futuro de 20 contratos de distribuição de energia elétrica, com diretrizes alinhadas à visão do governo de maior cobrança pela qualidade dos serviços e endurecimento das penalidades às concessionárias em casos de descumprimento.
Conforme a minuta de decreto vista pela Reuters, foram inseridas diretrizes para dar conta da nova realidade do setor elétrico, com maior protagonismo dos consumidores e exigência para restabelecimento do fornecimento de energia após eventos climáticos extremos, além de regras que já foram aplicadas em contratos renovados há cerca de 10 anos, como troca do indexador de preços para reajustes tarifários.
O avanço do processo para a renovação dos contratos foi destacado pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), que, no entanto, disse ver com preocupação alguns dos pontos colocados pelo poder concedente, como eventuais limites para distribuição de dividendos.
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A renovação das concessões de distribuição envolve grandes grupos do setor elétrico, como Enel, Neoenergia (NEOE3), CPFL (CPFE3), Energisa (ENGI11) e Equatorial (EQTL3). Está em jogo a prorrogação de 20 contratos que vencem a partir de 2025, compreendendo 64% do mercado de distribuição de energia do país.
A prorrogação contratual para essas empresas por mais 30 anos fica condicionada à demonstração da “prestação do serviço adequado”.
Ficará caracterizado o descumprimento da prestação do serviço adequado quando a concessionária não atender, por três anos consecutivos, aos limites regulatórios anuais globais dos indicadores de qualidade DEC, que mede a duração das interrupções de energia aos consumidores, e FEC, que mede a frequência de interrupções.
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A prestação de serviço adequado também exige que as empresas não descumpram, por dois anos consecutivos, critério de eficiência com relação à gestão econômico-financeira.
Também conforme já declarado pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a proposta de decreto cita alguns tipos de penalidades às concessionárias já previstas hoje em regulamentos da agência reguladora Aneel e que, segundo o ministro, tinham sua aplicação dificultada.
O texto determina, por exemplo, a abertura do processo de caducidade da concessão em razão da não prestação de serviço adequado, mediante critérios, indicadores e parâmetros que passarão a constar no novo contrato da distribuidora.
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Além disso, o governo prevê que a Aneel poderá limitar o pagamento de dividendos e de juros sobre o capital próprio por parte das distribuidoras se elas estiverem descumprindo com seus indicadores de qualidade técnica, comercial e econômico-financeiros.
Na visão da Abradee, esse regramento sobre dividendos “pode afrontar as bases legais que sustentam o fluxo de investimentos na economia”.
“Da forma como divulgada, a proposta poderá trazer insegurança e afastar investimentos, impactando diretamente os serviços prestados aos consumidores”, afirmou a entidade em nota nesta sexta-feira.
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Outro ponto criticado pelas distribuidoras é a desconsideração de expurgos para as concessionárias diante de eventos climáticos extremos.
A entidade afirmou que o Brasil atravessa um momento delicado com uma série de eventos climáticos extremos e que a gestão dessas situações extrapola a atuação das distribuidoras de energia, sendo necessárias soluções conjuntas envolvendo mais agentes, como outras concessionárias, setores econômicos e o poder público.
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“Portanto, desconsiderar expurgos referentes a esses eventos extremos na medição dos índices de qualidade inclui uma variável que não pode ser controlada exclusivamente pelas companhias. Não se verifica parâmetros semelhantes para a atuação do segmento em outros países”, disse a Abradee.
SATISFAÇÃO DOS CONSUMIDORES
As novas diretrizes também visam modernizar os contratos em vista das transformações do setor elétrico nos últimos anos, com a abertura do mercado livre de energia, inserção de novas tecnologias como medidores inteligentes, e mudança de hábitos dos consumidores, que cada vez mais buscam alternativas para gerir seu consumo, como gerar energia com telhado solar.
“Nesse contexto de transformações, a proposta apresenta diretrizes… no sentido de tornar a regulação mais flexível, permitindo a utilização de novos regimes de regulação econômica, a abertura à competição de serviços atualmente ofertados pelas distribuidoras em regime de monopólio, bem como a instituição de tarifas diferenciadas em função de critérios técnicos, locacionais, de qualidade e geográficos”, disse o ministério.
A satisfação dos consumidores de energia também passa a ganhar peso no contrato de concessão, com previsão de apuração de indicadores de tempo de atendimento de serviços e pesquisas de opinião pública.
A inclusão dessa regra vem em meio a questionamentos recentes, até por parte da Aneel, de que o mero cumprimento dos índices de qualidade DEC e FEC pelas distribuidoras não seria suficiente para garantir, na visão dos consumidores, uma boa prestação dos serviços.
Para assegurar mais participação dos consumidores frente aos serviços de energia, o decreto prevê instituir a Rede Nacional dos Consumidores de Energia Elétrica (Renacon), órgão que fortaleceria os atuais conselhos de consumidores e atuaria em articulação com Aneel e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
ADESÃO OU NOVA LICITAÇÃO
Será realizada uma nova licitação da concessão de distribuição caso a empresa atual não queira renovar o contrato sob os termos colocados pelo governo, ou então não cumpra com as condições necessárias.
A proposta prevê que as concessionárias também poderão antecipar a prorrogação dos seus contratos que vencem até 2031, como forma de garantir a continuidade dos investimentos — as distribuidoras investem anualmente dezenas de bilhões de reais em expansão e melhoria de redes, e o financiamento desses recursos exige previsibilidade sobre a extensão dos contratos.
O decreto também possibilita que todas as distribuidoras do país, incluindo aquelas que não estão com concessões vencendo, façam adesão às novas regras, visando dispor de contratos mais flexíveis e adaptáveis ao futuro do segmento de distribuição.
Porém, essas concessionárias não contariam com extensão dos seus contratos atuais, ou com reequilíbrio econômico-financeiro, explicou o ministério.