A Época contou a história de uma família que está vivendo uma situação delicada com relação ao filho de 5 anos.
De acordo com os pais, o filho que será chamado pelo nome fictício de Luiz, desde muito pequeno prefere ser vestido como menina, e até mesmo o nome, ele pede para ser chamado por Luiza*.
Os pais contaram que no começo tiveram dificuldade para entender e aceitar a vontade do filho, mas buscaram entender mais sobre identidade de gênero.
No ano de 2018, os pais passaram a permitir que o filho usasse itens femininos ao sair pelas ruas da pequena cidade de Santa Catarina onde moram.
Em seguida veio a surpresa. Eles forma denunciados anonimamente sob a alegação de que estariam “supostamente incentivado pelos pais e pela madrasta a usar roupas e acessórios femininos” e estaria sofrendo bullying no ambiente escolar.
O caso foi levado para o Ministério Público de Santa Catarina e encaminhado para a área de Infância e Juventude da Promotoria de Justiça do município em que a família mora.
“Aquilo foi um baque muito grande para a gente. Achei um absurdo”, desabafou César*, de 36 anos, policial civil que é pai da criança.
Ele disse que desde que o filho começou a manifestar a vontade de se vestir como menina, ele teve que rever seus conceitos sobre gênero e comportamento.
“Eu já tive comportamentos homofóbicos e até fazia piadinhas. Mas revi tudo isso. Hoje vejo que não há motivos para essas ofensas. Aprendi que algumas piadas ou comentários podem ser muito desrespeitosos”, desabafou.
Já a mãe da criança Maria, uma corretora de seguros de 31 anos, também confessou ter ficado abalada com a denúncia.
“Foi uma situação bem difícil”.
Os pais do menino são separados e já tem outros parceiros, mas dividem a guarda do filho.
O filho também pediu para usar o cabelo comprido, e disse por algumas vezes que não quer ser menino.
Os pais contam que há dois anos procuraram auxilio psicológico. Eles dizem que na maior parte do tempo ainda chamam a criança no masculino, mas acreditam que com o passar do tempo eles irão se referir apenas como ‘ela’.
A mãe disse que começou pelos brinquedos, que desde muito pequeno, ele pediu cozinhas e bonecas, mas a mãe diz que achou que isso não significava nada.
“Pensamos que os brinquedos não demonstravam nada, eram apenas as coisas que ele queria”, disse Maria.
O psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do ambulatório de identidade de gênero e orientação sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, ressaltou que os brinquedos que uma criança prefere não representam que ela será transgênero. “O que faz com que uma criança seja considerada trans é o fato de ela ser incongruente com seu sexo de nascimento”, explicou o especialista.
A decisão de procurar um especialista surgiu, pela desconfiança que ele seja uma pessoa trans.
“Ele dizia que não queria ter barba, nem ser um homem. Começou a pedir para usar roupas femininas ou adereços femininos com frequência”, disse César.
César contou da dificuldade inicial para entender o que estava acontecendo.
“O ambiente policial é predominantemente masculino. Todo mundo esperava que eu fosse ser repressor em relação a meu filho, por conta de minha profissão. Mas tenho uma postura mais liberal e respeito a intimidade e os anseios dele. Muitos pensavam que eu teria vergonha de meu filho, mas eu tenho muito orgulho dele”, afirmou.
O pai diz que já permite que o filho use todo vestuário feminino, já a mãe diz que na casa dela, ainda não esta tudo livre.
“Na minha casa, ele não usa roupas femininas, porque ainda tenho bloqueio em relação a isso. O meu maior medo é que alguém comente algo ruim e isso o machuque de alguma forma”, justificou Maria.
Com base na denúncia anônima, a promotoria de Justiça da cidade em que a família mora instaurou um procedimento administrativo para apurar o fato, sob o argumento de que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) “é cristalino quando afirma que serão aplicáveis medidas de proteção a toda criança e adolescente que possuir seus direitos ameaçados/violados”. Os pais de Luiz foram convocados para prestar esclarecimentos sobre o caso.
Para Maria e César, a denúncia representou a primeira vez em que a família foi vítima de preconceito. “Sou muito conhecido na cidade, acabo sendo muito blindado e as pessoas não fazem comentários negativos diretamente para mim. Sabia que existia discriminação contra meu filho, mas era algo velado, até o momento em que fomos denunciados”, disse César.
“Isso me causou, de certa forma, grande constrangimento, principalmente porque sou bastante atuante em casos de violência contra crianças. Foi a primeira vez que chegou a mim algum tipo de discriminação contra meu filho”, afirmou o policial.
Em depoimento ao Ministério Público, César afirmou que Luiz nunca foi obrigado a usar roupas ou itens femininos e também citou que “embora o filho tenha predileções por vestimentas do sexo feminino, nunca sofreu qualquer tipo de preconceito ou até mesmo bullying”.
Maria relatou à promotoria que o filho “desde tenra idade tem preferência por brinquedos e roupas do sexo feminino”. Ela também ressaltou, no depoimento, que o filho não sofre preconceito ou bullying.
Após as apurações, a promotoria concluiu que os pais do garoto são “firmes e coerentes ao descreverem que a criança é quem demonstra preferências por adereços e roupas femininas, não havendo qualquer imposição pelos genitores ou por terceiros”.
A promotora que conduziu o caso citou que não ficou comprovado que o garoto sofre bullying na escola por usar roupas femininas.
“Não se verifica nenhuma situação de risco envolvendo Luiz. Muito pelo contrário, os genitores demonstraram maturidade e discernimento para bem enfrentar essa situação juntamente com o filho, estando ele bem amparado. Portanto, não existem indícios de lesão ou ameaça de lesão aos direitos da criança”, assinalou a promotora. O procedimento foi arquivado em 27 de novembro de 2018.
“Foi um momento bem difícil também porque não soubemos quem fez a denúncia. Mas a promotora compreendeu que em nenhum momento o meu filho sofre por isso, muito pelo contrário, é ele quem prefere usar essas roupas e acessórios”, declarou César.
Os pais nunca contaram a Luiz sobre a denúncia. “Ele é muito pequeno e há coisas que não achamos interessante falar para ele. Nem tudo nosso filho entende ainda”, explicou Maria.
“Como ele pedia para usar roupas e acessórios femininos e dizia ser uma menina, a psicóloga nos disse que é muito provável que ele seja uma criança trans”, contou Maria.
“Não acredito que essa preferência de meu filho por coisas femininas seja algo passageiro. Acredito que ele seja transgênero, principalmente, porque criança é muito inocente e não faz nada pensado. Tudo que ele faz é espontâneo e essa é a vontade dele”, acrescentou a mãe.
O psiquiatra Alexandre Saadeh explicou que uma criança pode se manifestar transgênero a partir dos 3 ou 4 anos.
“Isso depende de cada criança. Mas, nessa fase, elas passam a manifestar quem são e seus interesses particulares. Isso é observável e constatável”, disse.